Logo na primeira cena Phobe Weller-Brigde, criadora e protagonista da série, nos convida para sua vida e rotina, pessoalmente ela nos olha e começa a dissertar sobre a sua existência, quase como uma entidade premeditando os acontecimentos da vida cíclica humana, onde então seguimos com ela ouvindo os seus pensamentos ácidos acerca de tudo e todos que cercam os seus dias.
Mesmo que sejamos confidentes exclusivos de seus pensamentos, ainda assim há algo escondido dentro de Fleabeg (que por sinal também nomeia a protagonista da série) onde mesmo conosco, traz a necessidade de mascarar as aparências. Somos então apresentados a uma personagem que tem suas falhas, mas possui plena noção delas, sempre sendo a pessoa mais inteligente de qualquer ambiente que esteja e um passo à frente de qualquer um, claro que essa noção é entendida logo como uma defesa apresentada como válvula de escape, talvez o único modo encontrado para racionalizar a existência e suas ramificações. A audiência para a extraordinária vida comum.
Todos demandamos uma audiência, seja quando contamos nossas histórias absurdas em uma roda de bar ou seja com a popularização das redes sociais, onde gritamos por atenção e doamos a que possuímos em troca de migalhas de experiências de outros, uma geração desesperada por poder performar, como Bo Burnah salienta em seu brilhante especial Make Happy (que merece seu próprio texto futuramente).
Criada a partir de uma peça da própria Phobe Weller-Brigde, onde era apresentada como monólogo de Fleabeg, foi então adaptada como uma série de 6 episódios com todos os roteiros escritos por Weller, onde ele assumiu a função de Showrunner, tal qual levou para outros projetos como a aclamada Killing Eve.
Sua relação com aqueles que são próximos é sempre envolta de deboche, ela não quer parecer ligada a ninguém. Sua irmã casada com alguém pífio, seu pai prestes a casar-se com alguém desprezível, todos os personagens da série como a própria criadora salientou possuem problemas em demonstrar afeto, o que os coloca a aceitar o que a vida lhes joga, por mais horrível que seja, prendendo-os em doses homeopáticas de afeto, um circulo vicioso que poderia ser resolvido rapidamente, porém para isso é necessário que se saia do lugar comum, fato esse que prende a espécie humana desde que resolvemos sair das cavernas e formar comunidades.
Por mais que nossa protagonista tenha essa noção, que talvez falte nos outros personagens, ela não está livre de tal. É quando aprendemos sobre sua ferida, aquela que não sarou e que com todas as forças tenta suprimir seu segredo sombrio. A primeira temporada termina com um encerramento para a jornada das personagens, Fleabeg aparenta não precisar mais da atenção da câmera e então passamos a não fazer mais parte da sua vida.
Mas houve uma ideia que moveu mais uma leva de episódios.
Entramos na segunda temporada, onde o texto já magnifico alcança um ponto mais elevado. Um aprofundamento no formato.
Weller com um domínio completo da mídia, aprofunda relações, e claro se estamos assistindo na posição de espectadores, ela novamente precisa de uma de suas escapatórias. Conceitos apresentados no primeiro ano, como as certezas da protagonista, são desconstruídos. Há uma inteligência de sempre quebrar as convicções apresentadas, sejam com humor ou mesmo de forma dramática, mesclados a perfeição em tom e tempo tomado para cada um (ou ambos dependendo da cena).
Um novo personagem é apresentado, o Padre, e consigo uma ideia de liberdade. Uma resolução um tanto ortodoxa para Fleabeg, mas depois de um pouco de esperança é bem vinda, tão bem vinda que talvez chegue a cegar. Desesperados nós urramos por conclusão sobre a vida. A mesma não é feita como uma descrição de roteiro onde um final momentâneo e belo fica eternizado para todo o sempre, a vida continua.
Buscar uma resolução fácil ou momentânea só responde para nossos estímulos mais primitivos, subverter essa condição e ou ter noção da mesma enquanto temos nossas experiências do dia a dia por mais banais que sejam, podem evitar armadilhas. Mas até ai não seria uma vida humana... certo?
Talvez o que se aprenda ao final não seja algo motivacional, ou claramente trilhado como modelo de como resolver a condição de nossa espécie, mas que alguém lá fora tem as mesmas questões e que nosso íntimo não é sempre ruim, nem mesmo ouvir nossos pensamentos sem distrações. Agora que isso está na margem de virar uma auto-ajuda é hora de parar, pelo menos para mim, eu continuo pelo meu caminho sem uma câmera me seguindo, você deveria tentar um dia desses.