Com a evolução do futebol, uma nova leva de pessoas interessadas em entender o jogo de forma mais profunda foi surgindo. Análises sobre as ideias dos treinadores, o estilo de jogo dos times e a função dos jogadores em campo começaram a ser fomentadas em redes sociais, podcasts e meios de comunicação. Alguns gostaram, outros detestaram. Criou-se, então, uma divisão entre os que aprovam e os que demonizam conceitos táticos no futebol.

Parte da imprensa esportiva brasileira entrou na onda. Jornalistas passaram a buscar novas ferramentas e métodos para ajudar a construir uma análise sólida sobre o jogo. Com isso, não só programas e aplicativos estrangeiros chegaram ao Brasil para capacitar esse profissional, mas termos e nomenclaturas de fora também entraram no linguajar dessa parcela da imprensa.

Hoje em dia é possível encontrar profissionais que trabalham com o futebol utilizando palavras como “pressing”, “centrocampista”, “pivote”, “interior”, “box-to-box”, “winger”, entre tantas outras, para corroborar suas análises. No entanto, até que ponto essas expressões podem dificultar o entendimento do leitor/ouvinte e até mesmo afastá-los de questões técnicas e táticas do futebol?

Bruno Formiga, comentarista do Esporte Interativo e apresentador do “Polêmicas Vazias” no YouTube, reconhece a importância da propagação de termos mais qualificados acerca do futebol. Porém, ele acredita ser possível passar as propostas de uma maneira mais simplificada e menos rebuscada.

Nesse momento em que a tática tem se amplificado, que as pessoas têm discutido mais, que a informação tem sido melhor difundida e que está mais acessível, o importante é diluir esses conceitos da maneira mais simples possível. E quando eu falo em diluir os conceitos, é tentar introduzir no vocabulário das pessoas amplitude, profundidade, ultrapassagem, compactação... Acho que simplificar os termos é ótimo. É possível você ‘traduzir’ numa linguagem mais simples até que isso esteja no habitual das pessoas”, opinou.

Mário Marra, que exerce o papel de comentarista em três veículos (ESPN Brasil, Rádio Globo e Rádio CBN) e é blogueiro do jornal Lance!, discorre sobre assunto sob sua ótica jornalística. “No nosso caso, como jornalistas, a gente tem que comunicar, facilitar a vida. Eu gosto da chegada de novos termos, não tenho nada contra. Só acho que a nossa função é traduzir. O que significa isso, aquilo outro... A gente tem que tentar, o tempo inteiro, nos comunicar a pessoas que sabem o que estamos falando e que também não sabem. São coisas elementares”, pontuou.

“Eu gosto da chegada de novos termos, não tenho nada contra. Só acho que a nossa função é traduzir” - Mário Marra

Há uma discussão abrangente no Brasil sobre a qualidade do jogo praticado por aqui. O calendário é apertado e obriga os clubes a jogarem até a exaustão; os treinadores não têm tempo para implementarem suas ideias e muitas vezes acabam ceifados após uma sequência de derrotas; muito se avalia resultado, enquanto o desempenho da equipe fica de lado.

Mas será que a imprensa esportiva também não teria uma parcela de culpa na análise de jogo rasa no Brasil? Mário Marra acredita que sim. “A imprensa é culpada em boa parte exatamente por não fazer o papel de comunicador. Já tive a oportunidade de conversar com um técnico e ele falou claramente: ‘Ah, não vou falar de forma técnica o que eu preciso fazer porque eu acabo virando motivo de chacota, então falo superficialmente nas entrevistas’. Veja bem: se o técnico fala isso, o grande erro é da imprensa. Ele é o técnico, ele pode falar e ele tem que falar”, destacou.

Bruno Formiga endossa o comentário de Marra. Segundo o comentarista do Esporte Interativo, a imprensa tratou o Jornalismo, por muito tempo, como apenas instrumento de entretenimento puro e simples, menosprezando os conceitos técnicos e táticos do jogo. “A imprensa tem um pouco de parcela em não ter difundido durante um bom tempo, feito muita questão de discutir isso simplificando e até menosprezando o público, tentando dar tudo digerido, de uma forma a não entender muito o jogo como o jogo”, argumentou.

Falar de tática no rádio

O avanço no debate do futebol não se restringe somente a jornalistas da web ou da TV. Profissionais de rádio também integram essa nova remessa de comunicadores que busca mais conhecimento sobre o jogo, minimizando os discursos enviesados apenas pela emoção das partidas.

Coordenadora da editoria do Cruzeiro da VAVEL Brasil, Isabelly Morais se tornou, no ano passado, a primeira mulher a narrar um jogo de futebol em Minas Gerais pela Rádio Inconfidência, onde é estagiária. Entretanto, além de narradora, a jovem de 20 anos também atua como repórter de campo e comentarista do veículo mineiro. Ela não esconde seu gosto por aspectos técnicos e táticos do jogo. Quando está comentando uma partida, sempre tenta fazer uma análise tática embasada em algum dado. Mas ela reconhece que não é fácil encaixar comentários com esse viés no rádio.

Falar de tática, no rádio, é uma missão muito difícil. Quando você está na TV, mostrando aquele campinho com os esquemas, você explica se o time está atacando no 4-3-3, defendendo no 4-4-2, fulano de tal recompõe pela direita... É fácil mostrar. E tática é muito visível, é algo muito imagético. A tática envolve formas de se manifestar. Isso envolve não só a opinião da pessoa que está falando, mas a maneira como ela coloca sua opinião. Numa matéria de web, você coloca um campinho e explica; no rádio, você não tem o uso da imagem”, frisou.

Assim como Isabelly, Vinícius Grissi é outro profissional da imprensa esportiva mineira que gosta do “tatiquês”. Ex-comentarista da Rádio Transamérica em Belo Horizonte, ele, que diz ter feito pelo menos cinco cursos de análise tática e de desempenho, alerta sobre o cuidado dobrado que o comunicador tem que tomar quando for aplicar termos e conceitos complexos numa transmissão de futebol no rádio.

“As transmissões de rádio carregam algo lúdico e não dá para quebrar isso completamente abusando do ‘tatiquês’” - Vinícius Grissi

Como não há a imagem para corroborar o que você está dizendo, às vezes é difícil explicar as situações táticas. É possível abordar situações de jogo, mas é fundamental tentar ser o mais simples possível. Afinal, não adianta nada você falar uma coisa que o ouvinte não pode ou não consegue entender. As transmissões de rádio carregam algo lúdico e não dá para quebrar isso completamente abusando do ‘tatiquês’”, explicou.

Além do rádio, Grissi alimenta um blog – “Marcação Cerrada” – para falar sobre futebol. Em seus posts, o jornalista também faz análises puxadas para aspectos do jogo, mas sempre com uma linguagem leve, de modo que todos consigam entender. Para ele, a inserção de palavras complexas no texto dificulta a compreensão do leitor.

Respeito quem gosta de usar terminologias técnicas, mas acho que contribui muito pouco. O objetivo de qualquer análise precisa, fundamentalmente, passar pelo entendimento, senão ela se torna perda de tempo. Ultimamente tenho buscado cada vez mais usar expressões que as pessoas compreendem com facilidade. Hoje, em geral, eu falo de tática para tentar criar debates. Tentar fazer com que as pessoas possam apurar a leitura do jogo e dos detalhes”, contou.

Capacitação para jornalistas

A Universidade do Futebol disponibiliza em seu catálogo de capacitações dois programas voltados especialmente ao jornalista que trabalha com futebol. O nome de ambos os treinamentos é “Programa de Capacitação para Jornalistas no Futebol”, sendo um de 90h e outro de 140h. Em contato com a reportagem, a UdoF informou que a proposta da instituição “é oferecer aos jornalistas que tratam das questões esportivas uma visão sobre a complexidade dos fenômenos que interferem no futebol”.


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