Irreverência e humor: clubes apostam em comunicação interativa nas redes sociais
Redes sociais viraram ferramentas indispensáveis na interação do clube com o torcedor (Arte: Editoria de Arte/VAVEL.com)

Em tempos onde o termo interação dita o tom do relacionamento nas redes sociais, perfis de clubes de futebol têm buscado cada vez mais uma aproximação de seu torcedor através de uma postura ousada e irreverente. No entanto, por mais leve que seja, isso integra um processo de planejamento de comunicação, em um movimento que encurta o vínculo entre clube e torcedor.

Uma instituição por si só não conversa com seus adeptos por meio de suas mídias, havendo, portanto, um esquema de pessoal capacitado por trás. Atualmente, a rede social de comunicação mais instantânea é o Twitter, que é bem menos complexo que o Facebook e toda a sua gama de serviços.

A relação entre um time e seu torcedor ganhou novos contornos com o espaço que as redes sociais reivindicam diariamente. É perceptível um processo de personificação dos perfis, o que torna a comunicação de um clube com seus simpatizantes ainda mais direta. Em um espaço tão articulado como essas mídias, um time se relaciona também com outros agentes além de seus próprios torcedores, corroborando com o aspecto de teia que todo esse universo interativo suscita.

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Fora das quatro linhas

O título da Série B deste ano foi decidido, basicamente, entre Internacional e América-MG. Na última rodada do campeonato, apenas dois pontos separavam colorados e americanos (70 a 68 para os mineiros); com isso, os duelos na Arena Independência e no Estádio Beira-Rio tomaram as atenções.

Apesar de o Inter ter aberto o placar no Sul contra o Guarani e assim mantido sua vitória, o Coelho fez sua parte em Minas Gerais frente ao CRB e conquistou a segunda divisão de 2017. Em campo e nas redes, muita comemoração, uma vez que, por meio de sua conta no Twitter, o time americano provocou de forma sadia a equipe colorada.

Se a brincadeira do América com o Internacional foi saudável, um trio carioca aqueceu o Twitter em abril deste ano. O Vasco levou as edições de 2015 e 2016 do Campeonato Carioca para cima do Botafogo, rival que o Gigante da Colina voltou a bater em 2017, mas pela decisão da Taça Rio. Após o triunfo, a conta vascaína no Twitter lançou uma provocação."Três títulos seguidos em cima do rival vale música, @showdavida?", continha o tuíte vascaíno, lembrando a brincadeira do programa Fantástico, da Rede Globo, em que um jogador tem o direito de pedir música caso anote três gols em um mesmo jogo.

Logo em seguida, o perfil do Botafogo respondeu ao tuíte do Vasco, devolvendo a provocação e resgatando os rebaixamentos do rival, que caiu em 2008, 2013 e 2015. "Justo! O @showdavida está devendo! Não tinha brecha no regulamento para os três rebaixamentos", ironizou. Sem ter nada com o assunto, o Flamengo entrou na história e embarcou junto com a dupla alvinegra. "Calma, gente! #Paz", postou o rubro-negro.

Irreverência paranista

Uma das equipes que detém um comportamento claramente irreverente nas redes é o Paraná Clube. A mudança na postura do time paranista aconteceu em 2015, quando fora das quatro linhas o clube adotou uma tática diferente da que estava acostumada. Quem relembra isso é Rodrigo Sanches Lapchinski, que, há cerca de um ano e meio, cuida das redes sociais da instituição.

"A diretoria aceitou o desafio numa boa, e deu certo. É preciso ter cuidado, responsabilidade e saber o timing daquilo que você gostaria de falar. No Paraná, temos este cuidado e dá muito certo. A diretoria apoia o projeto. Sempre existem aqueles torcedores que, independente do que você fizer, vão criticar. Internamente conseguimos deixar isso de lado e focar no que tá dando certo. Os números estão aí para mostrar que o trabalho desenvolvido é um sucesso e é nisso que nos apegamos", disse.

Os números são realmente bons. A equipe teve um aumento de 350% no número de seguidores no Twitter, indo de cerca de 20 mil no começo do ano para mais de 70 mil no fim de 2017. "O Twitter do Paraná clube existe desde 2009. O crescimento que tivemos nas redes sociais em 2017 foi muito grande, sendo um dos times que mais cresce em rede social no Brasil", pontuou Rodrigo.

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Os rivais de Goiás

Assim como Rodrigo no Paraná Clube, Alvaro de Castro foi a pessoa responsável por introduzir a irreverência no Twitter do Atlético-GO. O jornalista chegou à agremiação atleticana no fim de 2015, quando o clube estava iniciando os trabalhos nas redes sociais. Inicialmente contratado para ser uma espécie de assistente da assessoria de imprensa e fotografia, ele assumiu o Twitter e mudou a cara da conta do time.

"Minha ideia era algo diferente, com um humor diferente" - Alvaro de Castro

"Reativei a conta do Atlético, que não vinha sendo utilizado há quatro anos e tive inspiração da Chapecoense, que tinha uma linha de trabalho um pouco mais irreverente, dialogava com os clubes, e eu gostava disso. Não gostava da forma como outros grandes clubes utilizavam suas redes. Algumas inspirações, então, foram Chapecoense, perfis de esportes americanos e futebol alemão. Minha ideia era algo diferente, com um humor diferente", explicou.

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Em novembro passado, Alvaro deixou o setor de Comunicação do Atlético-GO, onde atuou em três funções (fotógrafo, assessor de imprensa e social media) para ser apenas social media do rival, o Goiás. Como o time alviverde não vive grande fase, o jornalista ainda está conhecendo e estudando a forma como deve agir nas redes sociais. "No Goiás, a torcida tem sido bastante receptiva. Claro que, pelo momento do clube, ainda não está como quero, mas a torcida tem interagido bastante", pontuou.

"O Twitter é hoje uma ferramenta de comunicação com o torcedor; não é mais uma ferramenta institucional" - Murilo Nascente

Mas e o Atlético-GO? Abriu mão do trabalho que Alvaro fez lá durante dois anos? Nada disso. O clube segue com a mesma toada despojada, só que com outra pessoa à frente do projeto. A figura da vez é Murilo Nascente, que, em conversa com a reportagem, relatou como comportou a direção do clube atleticano após o sucesso no Twitter – em um ano, o número de seguidores triplicou (de 21 mil passou para 62 mil).

"Quando passou a ser destaque nacional, quando apareceu o Atlético como um clube irreverente no Twitter, aí tivemos esse papo com a direção. Sempre foi muito bem aceito, mas com um ponto de partida: nunca ofender ninguém, muito menos rival ou outros clubes. Esse foi o parâmetro da direção. Hoje em dia a comunicação tem que ser assim. Ela tem que ter um algo a mais para ser efetiva. Coisa institucional demais é do passado, tem que ter uma interação, uma coisa mais humana, mais direta com o torcedor", sublinhou.

Relação conjunta

O Twitter é uma ferramenta mais leve que o Facebook, no qual a forma irreverente da rede do pássaro azul não é repetida. Mas por quê? Para Murilo Nascente, mesmo que a atuação em ambas seja distinta, é possível levar um tom mais descontraído para o Face.

"O Facebook é uma ferramenta mais institucional, para a divulgação de ações, de notícias, horários, agenda do clube. Então, no Facebook, a gente não aderiu a essa campanha mais humorística porque a gente o usa mais para esse fim, que é de divulgação. Mas a gente sempre interage, nos comentários a gente faz uma brincadeira, manda um inbox mais engraçadinho. Mas na interação com o torcedor, a gente mantém a mesma linha. Respondemos comentários, individualizamos o contato, respondemos para uma pessoa diretamente", citou.

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No caso do Paraná, o Twitter também é mais usado que o Facebook. Para Rodrigo Sanches, as informações se espalham com mais velocidade e viralizam em tempo menor no Twitter.

"Cada rede social tem sua característica. Vejo algumas coisas legais no Facebook, mas no Twitter a informação é muito mais rápida, você consegue compartilhar mais rapidamente e o assunto viraliza com mais facilidade. Por ser uma rede social mais 'solta' e de consumo de informação mais rápido, o Twitter hoje funciona melhor, pelo menos no Paraná Clube", colocou.

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Atualmente na função de social media do Goiás, Alvaro de Castro comentou sobre outro ponto importante sobre o Facebook: a monetização que circula em meio aos serviços da rede. "O Facebook é uma rede social envelhecida. Na minha opinião, a mais difícil de trabalhar porque é uma rede social que você precisa monetizar o tempo inteiro", apontou.

"Uma tendência é cair o número de seguidores, ainda mais quem trabalha de forma orgânica. Estou revendo isso no Goiás para o ano que vem, para pelo menos não cair. A principal diferença é que Twitter te permite trabalhar sem monetizar 24h, além de ser uma rede social jovem. Já o Facebook é uma rede social envelhecida e que também te exige forma de trabalhar que não seja orgânica. Apesar de tudo, temos que nos adequar e trabalhar em cima dela, porque é importante, a maior", reconheceu.

Planejamento e ação

Citado acima, o América-MG é uma das equipes que adotou recentemente uma postura mais irreverente nas redes. O departamento de Comunicação do clube teve uma mudança em sua composição neste ano, o que resultou também em alterações na filosofia de trabalho do setor. Quem o encabeça é o diretor de Marketing e Negócios do Coelho, Erley Lemos.

"Essa irreverência no Twitter é planejada. Com as novas pessoas que chegaram ao clube e outras que foram realocadas dentro da estrutura, a gente começou a fazer um estudo melhor sobre qual formato seria ideal para redes sociais. Fomos atrás de exemplos nacionais e europeus para vermos o que eles estavam fazendo e dando certo, para traçar um paralelo e desenhar um perfil que se identificasse com o torcedor americano", salientou.

Erley está à frente da Comunicação do América-MG (Foto: Mourão Panda/América-MG)

Para o profissional do América, não se pode ir para as redes de qualquer forma. É necessário ter cautela com todos os agentes e as relações possíveis.

"Temos um cuidado muito especial, principalmente com Twitter, porque é mais próximo do torcedor, mais personificado mesmo, então a gente tem um cuidado especial para não nos excedermos nas brincadeiras, para que isso não vire contra a gente. Tudo é muito planejado, visto e revisto. Estamos em constante avaliação do que dá ou não certo, do que precisamos melhorar, temas que geram mais engajamento ou polêmica", disse.

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"Esse movimento de irreverência é uma tendência de vários clubes no Brasil, e acho que é um movimento positivo, porque traz um sucesso para a rede, traz seguidores e gera engajamento. Ao mesmo tempo, não é algo simples, porque é preciso ter uma linha de atuação coerente. Acho que temos conseguido e queremos manter essa tônica", acentuou.

Relação fértil

Por mais próximo que o clube seja de seu torcedor nas redes sociais, existe por trás uma visão de comunicação que compreende as estratégias de se adotar tal postura. Basicamente, não se faz por fazer. Para a professora Joana Ziller, do Departamento de Comunicação Social da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que também é pesquisadora do NucCon (Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas), é necessário dar valor a esse universo interativo.

"É muito fértil ter uma relação mais informal com os públicos, porque é uma linguagem pública desse ambiente, um modo típico de se relacionar. É comum que empresas se relacionem de maneira mais informal, mas certamente, o tom e o que vai ser dito faz parte de um planejamento de comunicação", comentou a pesquisadora.

Para Joana, o planejamento é essencial antes do remodelamento nas redes sociais (Foto: Daniel Protzner/UFMG)

"Esse planejamento precisa ser feito por profissionais da área, que muitas vezes são profissionais de marketing ou que também tenha uma formação e atuação em marketing. A maneira como a empresa vai aparecer nas redes faz parte de um planejamento mais amplo, que é a maneira como a empresa deseja se posicionar com o público", completou.

Ranking dos clubes brasileiros com mais seguidores*, segundo o Ibope:

*Números de outubro de 2017

Foto: Divulgação/Ibope
Foto: Divulgação/Ibope
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