Há quem diga que o mundo ficou chato. Chato porque não aceita calado a homofobia como fazia antes. Porque não aceita pacificamente a violência e o desrespeito à mulher. Chato porque não vê mais com ‘bons olhos’ as brincadeiras racistas.

Apesar de ainda viver sob um sistema patriarcal e regido por uma cultura machista, o mundo tem tentado mostrar uma nova face. Ainda existem, sim, pessoas que veem esse mundo da mesma forma, mas, por outro lado, existem aquelas que já não o aceitam mais uma face opressora e desigual.

O Atlético-MG, em 2017, infelizmente mostrou fazer parte do primeiro grupo. Ao escolher não tomar posição em relação ao escândalo sexual envolvendo o atacante Robinho, condenado a nove anos de prisão por ter participado do estupro coletivo de uma mulher albanesa em 2013, o Galo se tornou o maior exemplo de que 'quem cala, consente' (no caso, com um crime).

Robinho – sentenciado pela Justiça italiana – provavelmente nunca pagará pelo crime que cometeu, já que além de poder recorrer na decisão é protegido pela Constituição brasileira, que impede a extradição de cidadãos nascidos no país. Esta, no entanto, não é a primeira vez que o jogador é acusado de estupro.
 
Em 2009, quando ainda atuava no Manchester City, o atacante foi denunciado pelo mesmo crime e chegou a voltar para o Brasil sem autorização do clube para evitar ser preso. Ao retornar para a Inglaterra, Robinho teve de se apresentar à delegacia de West Yorkshire a fim de prestar esclarecimentos. Sob o pagamento de fiança, foi liberado e o processo, arquivado.

Cuca

É claro que Robinho não é um caso isolado no mundo do futebol no que diz respeito a crimes contra a mulher, mas o atacante também não é um caso isolado no Atlético-MG. Consagrado pela campanha que levou o Galo à conquista da Libertadores em 2013, o técnico Cuca também teve seus tempos como atleta, e em meio a eles muitas polêmicas.

Cuca foi condenado por estupro em 1987 (Foto: Pedro Vilela/Getty Images)

A principal fica por conta da acusação de estupro coletivo em 1987. Defendendo o Grêmio na época, Cuca viajava junto ao elenco gaúcho em uma excursão pela Europa. E foi na cidade de Berna, na Suíça, que junto a seus companheiros Fernando, Henrique e Eduardo participou do repulsivo ato. Os quatro atletas estupraram uma garota de 13 anos, que havia ido até o quarto do hotel onde estavam hospedados os jogadores – acompanhada pelo namorado e um amigo –, para conhecer os brasileiros.

Logo em sequência, o crime foi denunciado e o grupo detido pela polícia local. Mas a reclusão não durou muito para os quatro jogadores. Em menos de um mês, os jogadores do Grêmio retornaram ao Brasil, sendo recebidos como heróis tanto pela torcida tricolor como pelos torcedores do Internacional, que entoavam em coro gritos de "puta" em referência à vítima, Sandra Pfäffli – afinal, não era isso que a menina de 13 anos procurava quando foi até o quarto onde os jogadores estavam hospedados?

O estupro foi defendido pela imprensa gaúcha na época – que o definiu como 'ato de homem' –, assim como pelos torcedores e familiares dos jogadores. Segundo a mãe de Eduardo, os atletas não tinham culpa alguma, pois "a garota é que foi lá tirar a roupa na frente deles, que não são homossexuais e agiram como homens". Os criminosos, então, deixavam a natureza de seu feito e assumiam apenas o papel de homens normais, que fizeram o que deveria ser feito naquela situação.

Passaram-se já 30 anos desde a denúncia do caso. No Brasil, nenhum dos atletas voltou a ser preso ou questionado sobre o crime. Todos seguiram suas vidas, e Cuca, que encerrou a carreira como jogador em 1996, passou a atuar como técnico em grandes clubes brasileiros – e de outros países também.

Assim como em muitos casos de violência contra a mulher envolvendo personagens do mundo do futebol, o crime caiu no esquecimento. Mais uma vez, quem paga o preço é uma vítima. Mas por que, se um estupro não pode ser apagado da vida de uma vítima, este deve ser ignorado na vida de um agressor?

Em um universo totalmente machista por sua natureza, é preciso que as instituições esportivas se posicionem – e com mais do que meras palavras – contra esse tipo de violência. Podem passar 10, 20, 30 anos, um crime como este não pode e nem deve ser esquecido por entidades esportivas como o Atlético-MG, e nem mesmo por sua torcida.

O esporte é um espaço para a igualdade, mas esta não pode existir enquanto houver omissão em relação à violência contra minorias.