Mulheres das organizadas: a hora agora é delas
Vivian Messias acompanha seu Palmeiras no Allianz Parque (Foto: Arquivo Pessoal)

Era uma noite de sábado. Como de costume, decidi ir ao estádio de futebol acompanhar meu time. Por motivos pessoais, decidi, dessa vez, assistir ao jogo da arquibancada onde ficava as organizadas. Já tinha experimentado antes, mas não havia enxergado tudo que tive a oportunidade de ver nessa última vez.

Enquanto me dirigia para a entrada do estádio, a cavalaria se aproximava e logo já pude ver a aproximação da maior organizada do clube. Eles vinham marchando, gritando palavras de ordem e cantando hinos do clube. Quem estava na região, deixava o espaço livre para que eles passassem. Era um grupo de mais ou menos 100 pessoas.

Eu, como o restante dos torcedores, fui para lateral e ali observei: nesse grupo que subia em direção ao estádio, havia um número mínimo de mulheres. As poucas que eu vi, pareciam estar sempre acompanhadas de presença masculina.

Conseguimos entrar ao estádio. Lá dentro a cena também se repetiu. O número de mulheres era pouco comparado com os de homens. O jogo começou, a torcida organizada não parava um minuto.

Enquanto estive presente, não presenciei casos de assédio, nem preconceito. Às vezes acontecia alguns olhares “tortos”. Mas o que me incomodou mesmo foi o número de mulheres naquele espaço. Poucas, pouquíssimas melhor dizendo!

Eu entendo que ainda há receio de frequentar esses ambientes, que estádio de futebol ainda é algo muito machista. Por várias vezes na vida tive que provar a homens que eu sei o que é impedimento, que eu entendo a regra do gol fora de casa, que eu sei a escalação do meu time e que eu não estou indo ao estádio/assistindo futebol somente pelos jogadores.

Ao comprar a camisa do meu time (2017!!!), não encontrei o modelo feminino. Ah, até existe, mas não é o modelo de jogo, igual ao dos homens, é sempre algo diferente. Para ter a camisa oficial, tive que comprar modelo infantil, só assim para servir. Por quê? Mulher não pode ter a camisa oficial? Só homens podem comprar? Se mulher quiser, que compre o modelo masculino.

Pensando sobre todos esses momentos vividos no futebol, resolvi escrever sobre elas. Sobre as mulheres que, mesmo com todos os perrengues, seguem firmes apoiando seu clube do coração. Ali mesmo, na torcida organizada.

A união

Dadá Ganam, Isabelle de Oliveira, Vivian Messias, Julieta Garegnani e Oriana Ponce. Elas não sabem, mas o futebol as une. Apesar de serem de torcidas diferentes, o amor pelo clube é a união dessas mulheres.

Dadá é da Gaviões da Fiel, principal torcida do Corinthians. Já Isabelle e Vivian frequentam a Mancha Verde, principal torcida do Palmeiras. Oriana e Julieta frequentam estádios um pouco longe do Brasil. Ambas são argentinas e torcem, respectivamente, para River Plate e Boca Juniors.

Eis aí um ponto. Escolhi as duas últimas exatamente para ver um contraponto: se o cenário encontrado no Brasil é o mesmo encontrado nos países vizinhos que amam tanto o futebol quanto a gente.

 “Às vezes sinto como se estivessem proibindo-me de torcer pelo fato de ser mulher em algumas ocasiões isoladas” - Dadá Ganam

Dadá frequenta os jogos do seu time do coração sempre que pode, independente se é jogo em São Paulo ou fora de casa. Ela é representante da página “Respeito FC”, que luta pelo respeito nos estádios. A torcedora apaixonada é mãe de um garotinho, e faz questão de levar o pequeno para os jogos com ela.

“Um desses jogos eu estava amamentando meu filho na arquibancada e um cara me mandou dar mamá no banheiro. Mandei então, que ele fosse comer no banheiro, se isso o fazia melhor”, contou Ganam.

Vivian, torcedora do Palmeiras, nunca passou por situações como a de Dadá; porém, sofre certo preconceito por parte da sociedade

“A maioria das pessoas que eu conheço ou que eu falo que frequento torcida organizada fazem cara feia e começam a falar coisas que não fazem sentido. Futebol não é só pra homem, já passou a fase e as pessoas deviam ter um pouco mais de senso”, comentou a Alviverde.

Apesar dos problemas envolvendo preconceito, assédio e discriminação, nós, mulheres, temos que concordar: a emoção de frequentar um estádio é enorme. A energia que sentimos é impressionante, a vontade de apoiar nosso clube, gritar, é inexplicável; só quem está lá sente. A opinião exposta aqui por mim é compartilhada por Isabelle de Oliveira

Isabelle (na esquerda), com amigos torcedores do Palmeiras. Foto: Arquivo pessoal da Isabelle
Isabelle (na ponta esquerda), com amigos torcedores do Palmeiras (Foto: Arquivo Pessoal)

“Nos jogos que estou presente nos estádios, é uma energia inexplicável, apoiar seu time, cantar junto com outras pessoas que estão ali por amor também, pelo mesmo sentimento que você e ao mesmo clube”, analisou a palmeirense, que vive no interior do estado de São Paulo, mas tenta sempre permanecer próxima da equipe do Allianz Parque.

A Paixão

A paixão que nos move a frequentar estádios é a mesma que move a maioria dos homens. É a vontade de ver seu time vencer, de apoiar, de saber que sua voz, por mais que esteja no meio da multidão, é ouvida de alguma maneira, que seu grito para “empurrar” seu time tem resultado.

Ao serem perguntadas sobre o motivo de terem se associado, Dadá, Vivian e Isabelle foram enfáticas: “Foi amor a primeira vista”, disse a corintiana. “Porque a torcida organizada é aquela mais apaixonada que canta e vibra os 90 minutos de jogo, independente de vencer ou perder ela está sempre presente e isso faz muita diferença. Ajuda o time” frisou Vivian. Para completar, Isabelle atribuiu o fato de sua associação à família, já que a garota cresceu rodeada de palestrinos.

'Las hermanas' também torcem

Engana-se quem pensa que somente no Brasil há mulheres apaixonadas pelo futebol. No nosso país vizinho, a Argentina, há garotas tão apaixonadas quanto, que fazem do estádio sua segunda casa e que apoiam os 90 minutos, nas fases boas e ruins.

Julieta Garegnani e Oriana Ponces são de times rivais. A primeira torce para o Boca Juniors, ao passo que a segunda é da equipe blanca y roja, o River Plate.

“Já estive em plena popular com os barras bravas e nunca aconteceu nada; é onde mais tem respeito” - Julieta Garegnani

A xeneize frequenta La Bombonera praticamente todos os jogos em que o Boca é local. Na Argentina a torcida visitante é proibida em todos os jogos, ou seja, Julieta só não viaja com o time, porque não poderia entrar no estádio; mas não é por isso que ela deixa de acompanhar pela televisão e torcer.

Sempre que vai à “La cancha”, Julieta afirma: “Lá somos todas pessoas e nos respeitamos pelo simples fato de sermos. Então posso dizer que é tranquilo, bom, temos que ver o que queremos dizer com tranquilidade né. O futebol em si, não tem tranquilidade, tem sentimento e paixão, então isso gera algo que não nos permite dizer que é um lugar tranquilo”.

Na foto Julieta aparece de costas em uma das grades de La Bombonera. Foto: Arquivo Pessoal de Julieta
Na foto, Julieta aparece de costas em uma das grades de La Bombonera (Foto: Arquivo Pessoal)

A torcedora do River concorda com a opinião de Garegnani. “Todos compartilham da mesma paixão nesse lugar, por isso dentro do estádio há mais respeito do que na rua. Já tranquilidade depende. Na Argentina as torcidas são muito apaixonadas, cantam, pulam, gritam todo minuto” disse Oriana.

Apesar dos problemas, as duas só confirmam ainda mais a paixão pelo seu time e as vantagens de participarem ativamente de seu clube. “Falando da torcida, é uma de muita garra, torcem os 90 minutos. Se o time vai perdendo, o torcedor torce mais, é uma loucura ir ao estádio, é o melhor pra mim, é o meu lugar no mundo, o lugar onde sou feliz” analisa a Xeneize.

Essa relação de amor com o clube só passa por uma crítica: “Aqui na Argentina é proibido as torcidas visitantes, mas tudo isso é substituido pelo amor ao clube, o Monumental é o melhor estádio” afirmou Oriana, para finalizar.

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