Bom momento de Neymar e Gabriel Jesus impulsiona busca por cliques no jornalismo esportivo
Arte: Hugo Alves/VAVEL.com

No mundo virtual, a internet é uma terra sem lei. Vários portais jornalísticos, tradicionais ou independentes, travam batalhas todos os dias visando o clique do leitor. A maioria dos meios de comunicação adota, nos títulos das matérias, táticas para um maior engajamento com o conteúdo. Porém, no web jornalismo esportivo, essa prática já é quase uma norma.

Os portais consolidados necessitam de cliques diários para aumentarem o número de visualizações e atraírem publicidade ao site. Nos veículos de notícias esportivas, alguns jogadores que estão em evidência no momento são usados como "chama-cliques". Os brasileiros Neymar e Gabriel Jesus, astros de Paris Saint-Germain e Manchester City, respectivamente, são os maiores expoentes desse assunto.

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Atualmente, utilizar o nome da dupla da Seleção Brasileira nas chamadas de matérias se tornou uma tendência. Afinal, ambos são destaques no futebol europeu, ídolos de milhares de jovens brasileiros e, principalmente, aumentam o número de visualizações nas reportagens.

Para constatar tais argumentos, a VAVEL Brasil realizou um levantamento sobre quantas vezes os nomes de Neymar e Gabriel Jesus foram usados exaustivamente por três grandes portais esportivos, Globoesporte.com, ESPN.com.br e UOL Esporte, em determinados momentos desta temporada europeia.

Com os dados obtidos durante a apuração, a reportagem montou três gráficos:

1) referente ao dia que surgiu a especulação de que Neymar deixaria o Barcelona para reforçar o PSG (18 de julho) até o dia de apresentação do brasileiro no clube francês (4 de agosto).

2) referente ao dia que começou o entrevero entre Neymar e Cavani, que chegaram a ser estranhar para bater faltas e pênaltis durante a vitória sobre o Lyon, até o jogo seguinte do PSG (uma semana, dia 17 a 23 de setembro).

3) referente à melhor semana de Gabriel Jesus no Manchester City – marcou quatro gols em três jogos – no início da atual temporada (9 a 17 de setembro).

A VAVEL Brasil usou o número de seguidores no Twitter para priorizar os perfis a serem analisados na rede social. O SporTV (@SporTV) e o Esporte Interativo (@Esp_Interativo) contêm mais de 3 e 2 milhões de seguidores, respectivamente, mas nem todos os tuítes de ambos trazem links de matérias como os outros perfis. A reportagem não conseguiu encontrar os tweets do Fox Sports Brasil (@FoxSportsBrasil), que soma mais de 1 milhão de followers, mencionando o nome de Neymar anteriores ao dia 22 de agosto. Portanto, foi descartado.

"Armadilha barata"

Chefe de reportagem do UOL Esporte, Vinicius Mesquita conversou com a VAVEL Brasil e dissertou sobre o tema que deu origem a esta matéria. Para ele, a tendência é que os portais continuem empregando o nome de astros do esporte em títulos de notícias para "atender" ao público.

"Hoje fica fácil saber quais assuntos despertam a atenção de um leitor", afirmou Mesquita. "O Neymar e o Gabriel Jesus, por exemplo, estão entre os temas que mais interessam aos nossos leitores. E imagino que aos leitores de outros grandes meios de comunicação. Sendo assim, informações sobre eles continuarão sendo noticiadas sim", acrescentou.

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O aumento de matérias sensacionalistas cresceu visivelmente nos últimos anos. Cada vez mais essa prática é utilizada para levar ao leitor uma matéria que talvez nem é de seu interesse, mas a curiosidade empregada no título – e até mesmo na foto – o faz clicar no link e gerar audiência ao site.

Mas, segundo Mesquita, o sensacionalismo em excesso pode custar caro. "É uma armadilha barata, que funciona a curto prazo. O leitor não tem paciência com esse tipo de manobra e, caso alguém abuse desse artifício, perderá credibilidade no futuro", alertou.

"A questão mais dramática é que a internet está congestionada de pessoas que dizem fazer jornalismo, mas que estão muito longe disso" - Vinicius Mesquita

A era das "fake news", notícias falsas compartilhadas nas redes sociais, também é frisada pelo chefe de reportagem do UOL Esporte. "Grupos ou entidades oportunistas, sem nenhum vínculo com o jornalismo, espalham informações incorretas por redes sociais, sem nenhum zelo ou apreço pela correção. Aí enfrentamos algo muito pior que o tal sensacionalismo que, em última análise, não é necessariamente algo sempre errado. A questão mais dramática é que a internet está congestionada de pessoas que dizem fazer jornalismo, mas que estão muito longe disso", observou.

E quando os internautas começam a criticar as matérias que eles julgam sensacionalistas? O que fazer? "Nós sempre consideramos e avaliamos as críticas dos leitores", garantiu Mesquita. "Eles ajudam na análise de nosso material. Em alguns casos, caso os leitores mostrem que realmente tenhamos passado do limite, fazemos alterações em nossas matérias", completou.

Apimentar a matéria

O assunto 'sensacionalismo' também esteve na pauta do bate-papo com o repórter Daniel Bocatto, do Fox Sports. Ele reconhece que hoje em dia é impossível fugir desse recurso, mas defende a ideia de que todo jornalista tem que saber lidar com as novas formas para "seduzir" o leitor.

"Nós temos que prestar atenção no que o público gosta e acessa", pontuou. "Muitas vezes, as matérias sensacionalistas e polêmicas são as que mais rendem, e isso faz com que, em muitas oportunidades, o sensacionalismo seja usado", comentou.

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Diminuir informações nos títulos, de modo a fazer com que o leitor, já curioso, clique na matéria ("Barcelona pode tirar promessa do Corinthians em janeiro", por exemplo), é um método que vários meios de comunicação estão adotando como estratégia para receber mais cliques. Na opinião de Bocatto, os jornalistas também precisam saber "apimentar" a notícia.

"Ninguém mente ou dá notícia falsa, mas você apimentar algo, colocar uma dúvida no leitor, fazer com que ele clique, também é uma função do jornalista que vende seu material", argumentou o repórter do Fox Sports.

Bocatto também destacou a forte onda de "haters" (pessoas que odeiam e perseguem alguma pessoa, empresa, etc.) no mundo virtual. "A internet é um mundo à parte, e lá existe de tudo. Pessoas que elogiam, que criticam, mas existe um público 'hater' muito grande na internet. Eles só estão ali para criticar e desabafar muitas vezes em comentários de postagens", salientou.

Jogadores contra a mídia sensacionalista

Não é difícil encontrar episódios nos quais jogadores ou suas assessorias foram a público repudiar ou desmentir alguma matéria sensacionalista. Confira, a seguir, alguns casos.

Daniel Alves
Em janeiro de 2016, o lateral-direito Daniel Alves, do PSG e da Seleção Brasileira, usou sua conta no Instagram para disparar duras críticas à imprensa espanhola – à época, ele ainda estava no Barcelona.

"Cada dia que passa me dá mais vergonha de fazer parte desse esporte, de como nos utilizam e como brincam com a gente. Pensei que um dia sairíamos cada um a defender suas cores, seus times, pensei que se ganhasse ou se perdesse iria para casa bravo e refletindo sobre o que fizemos de mau ou de bom. Hoje, somos objetos usados pela imprensa para que ela se beneficie, para que venda jornais. Cada vez se fala menos de futebol, de estratégia, de jogadas, dos gols, do espetáculo. Que p... lixo vocês são", escreveu.

Felipe Melo
Tido como principal vilão da eliminação do Brasil da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, por uma expulsão na partida contra a Holanda, o volante Felipe Melo perdeu a linha com o Esporte Interativo em setembro de 2016.

"O bonzinho cansou das ironias de vcs (sic)", disse o jogador, em resposta a um tuíte do veículo que o ironizava. "Foram varias (sic) fracinhas (sic) e agora o bonzinho aqui vai tomar atitudes judiciais. Um canal que está crescendo como acompanho deveria aproveitar o momento para ganhar respeito, mas prefere fazer piadinhas. Guardei todos os posts irônicos.e (sic) gratuitos que vcs (sic) fazem para me sacanear do nada e vou encaminhar todos para meu advogado", postou.

Diogo Barbosa
Este caso é mais recente. Na última quarta-feira (4), o lateral-esquerdo Diogo Barbosa, do Cruzeiro, fez um comentário enigmático em uma foto que o volante Bruno Silva, do Botafogo, publicou no Instagram. "Estou te esperando", era a mensagem do jogador cruzeirense. O comentário virou matéria, inclusive no portal Lance!, já que Bruno Silva tem sido especulado para reforçar o Cruzeiro. No entanto, Diogo Barbosa utilizou o Twitter para explicar o ocorrido e, ainda, alfinetar o veículo.

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