O mundo do futebol ainda sente as consequências da transferência de Neymar para o Paris Saint-Germain. A contratação mexeu com o mercado europeu de diversas formas, mudou rumos de outras negociações, abriu uma enorme porta para o futebol francês e atraiu olhares para a tão contestada Ligue 1.

Uma dessas consequências se refletiu na valorização do produto em questão. O impacto da contratação de Neymar na imprensa brasileira foi enorme. A cobertura do futebol internacional sofreu uma mudança que não era esperada ao termino da temporada anterior. A ida do camisa 10 da Seleção Brasileira para Paris eleva a Ligue 1 de patamar na “prateleira” da cobertura internacional.

Quando Zlatan Ibrahimovic chegou ao PSG, o espaço do Campeonato Francês cresceu nas emissoras brasileiras, principalmente na TV fechada. Mas não há comparação com o atual cenário. Naquele momento, era um grande jogador que chegava à Ligue 1; não houve um reflexo grande no mercado brasileiro, foi apenas uma marolinha. Desta vez, é o nosso principal jogador que está atuando em campos franceses, um ano antes da Copa do Mundo. Aquilo que estava concentrado teve que se dividir.

A valorização dos direitos de transmissão da Ligue 1

O jornalista Eduardo Ohata relatou em seu blog no UOL que os direitos do futebol francês não eram cobiçados e que era grande a chance da não renovação por parte de seus detentores. É tanto, que a BeIN Sports sabia que a Ligue 1 não estava valorizada no Brasil. Mas tudo mudou quando as especulações começaram a crescer. A empresa decidiu congelar o leilão até que houvesse uma definição no caso Neymar.

O vínculo atual se encerra no final da atual temporada, ou seja, na metade de 2018. A Rede Globo detém os direitos do Campeonato Francês na TV aberta e fechada. A emissora sublicencia transmissões para a ESPN. O canal do grupo Disney pode escolher três partidas por rodada, não há cláusula de exclusividade. A expectativa é que a venda dos direitos de transmissão para os próximos anos aconteça em outubro, em Monaco, com a presença de várias empresas brasileiras na disputa do leilão.

Programações alteradas para a cobertura da apresentação

Sala de imprensa do Parc des Princes lotada para a apresentação de Neymar (Foto: Xavier Laine/Getty Images)

A cobertura da apresentação de Neymar mobilizou os canais brasileiros. As cinco emissoras esportivas da televisão paga anteciparam suas programações para trazer todos os detalhes, não perder nenhuma vírgula entre as palavras ditas pelo craque. A TV aberta também dedicou um tempo de seus programas matinais, sendo com flashs, parte da entrevista ao vivo ou trechos da coletiva. Canais que não costumam abordar esportes recorrentemente tiveram que se adequar. Na manhã do dia 4 de agosto, todos os canais trataram de um único assunto.

Primeira partida de Neymar traz resultado imediato

A primeira partida de Neymar pelo PSG já trouxe resultados significativos para as duas emissoras. Durante o período do jogo, entre 16h e 18h, SporTV e ESPN lideraram a audiência da TV por assinatura, ocupando primeira e segunda colocações, respectivamente, superando canais do pacote básico, do gênero infantil e de filmes. A TV Globo cogitou transmitir a partida na aberta, mas por ser no mesmo horário do Brasileirão, o canal decidiu abdicar da ideia. Porém, é bem provável que a emissora carioca coloque o PSG em sua grade, já que alguns jogos do clube serão em horários alternativos.

O Stade du Roudourou estava lotado... de torcedores e membros da imprensa; Guingamp teve recorde de público e de credenciais disponibilizadas (Foto: Divulgação/PSG)

O impacto já é visível na televisão. Dois meses atrás, quem imaginaria a possibilidade um jogo do campeonato francês na TV aberta e ao vivo? No máximo, o PSG enfrentando Real ou Barça pela Champions, como já ocorreu em outros momentos. Em umas dessas consequências, os correspondentes internacionais foram deslocados de outros lugares da Europa para a França. Antes da partida contra o Amiens, as duas emissoras fizeram pré-jogo de uma hora e meia.

Mas tal contratação não trouxe mudanças apenas na telinha. A internet teve que se adaptar ao novo cenário. A cobertura em sites e blogs triplicou. Muitas reportagens especiais, repercussões, uma frase desmembrada e explorada, uma foto que vira capa na página principal, uma postagem na rede social que gera um gigantesco engajamento.

A Ligue 1 mais próxima dos brasileiros

O público comum agora se surpreende ao saber que Didier Drogba atuou pelo Guingamp, que o Saint-Étienne é o maior campeão da primeira divisão francesa, que o Olympique de Marseille é o único time do país com o principal título europeu, que o PSG tem apenas 47 anos, que não se pode usar “número alto” nas camisas, enfim. A ida de Neymar à França faz com que o brasileiro, interessado por futebol, desbrave um novo mundo, assim como fizeram com a Itália e Espanha em décadas passadas.

Somada à chegada de Neymar, temos também a presença de outros brasileiros. Alguns desembarcaram antes, mas outros foram atraídos pela vitrine e rumaram para o país após a maior transferência mais cara da história. O atacante ex-Barcelona atrairá todas as atenções, mas outros times também se beneficiarão com o reflexo desse holofote.

"Por enquanto é apenas o impacto midiático, mas daqui a pouco vai ser financeiro também" - Stéphane Darmani 

Outros atrativos serão explorados pela imprensa brasileira, claro que não com a mesma intensidade. Marcelo Bielsa e os brasileiros do Lille; Claudio Ranieri no Nantes; Sneijder e Balotelli no Nice; Malcom e Otávio no Bordeaux; a dura jornada de Leonardo Jardim ao tentar manter o Monaco no mesmo nível da temporada passada; Luiz Gustavo comandando o meio-campo defensivo do Marseille, entre outros. É como uma novela. Há o núcleo central, que neste caso é Neymar, e várias outras tramas acontecendo em paralelo, encontrando-se em determinados momentos.

Para saber um pouco mais a respeito da dimensão da mudança na cobertura do futebol francês no Brasil após a contratação mais cara da história, a VAVEL Brasil conversou com o francês Stéphane Darmani, comentarista dos canais ESPN desde 2014. Ilustrando tal nível de importância, ele comparou a chegada de Dani Alves, que teve uma grande cobertura, com a de Neymar, que praticamente quintuplicou o tempo do assunto em tela.

Darmani aposta forte em Neymar para levar a Ligue 1 aos holofotes do futebol mundial (Foto: Reprodução/ESPN Brasil)

O impacto causado é gigante, enorme. É do tamanho do Neymar. Só ele pode causar esses impactos midiáticos, a prova é que semanas antes chegou o Daniel Alves e não levantou tanta mídia quanto; foi um impacto bem limitado [se comparado a Neymar]. Com certeza é um impacto gigante e que está só no começo. Isso vai ainda tomar proporções maiores”, disse.

Segundo Darmani, a chegada de Neymar abrirá mais espaço para outros clubes da Ligue 1. “Com certeza as outras equipes francesas vão se aproveitar disso. Cada vez que o Neymar joga, ele enfrenta um time adversário. Nunca se falou tanto do Amiens no Brasil, nunca se falou tanto do Guingamp, como nunca vem se falando do Toulouse nesta semana. Então todo mundo tira proveito do efeito Neymar, e as outras equipes também estão esfregando as mãos por esse motivo.

Além da internacionalização de suas marcas, os times da primeira divisão da França também estão satisfeitos com a contratação do novo camisa 10 parisiense. “No futuro os direitos de transmissão do Campeonato Francês vão aumentar muito e isso será redistribuído para os outros clubes. Por enquanto é apenas o impacto midiático, mas daqui a pouco vai ser financeiro também”, citou o comentarista francês.

VAVEL: Ter a Ligue 1 mais exposta ao “torcedor comum” fará com que ela perca o estigma de competição fraca aos olhos dos brasileiros?

Stéphane Darmani: “Torço para que o torcedor brasileiro veja a Ligue 1 com outros olhos, acho que há ainda muito preconceito, muita gente tem uma opinião ruim sem nem ter assistido aos jogos, só pela fama de futebol defensivo ou ruim de uma forma geral. Quando na verdade não é isso. É um campeonato bem mais difícil que alguns outros. Para os jogadores, sobretudo para os ofensivos, que vão enfrentar defesas físicas, defensores com o preparo físico muito forte”.

Poucos espaços, muita marcação, muita organização tática, mesmo que defensiva, no caso dos adversários do PSG. E isso aqui é algo que eu espero que seja valorizado pelo torcedor brasileiro, que gosta de futebol ofensivo, mas quem tem o olho global sobre as jogadas, também tem que saber reconhecer que futebol também é defensivo e tático. E que ele pode ser bem jogado na França.

VAVEL: Qual a reação dos colegas de emissora durante todo o período de especulação até os dias atuais? Eles buscam se aprofundar ainda mais na Ligue 1?

Stéphane Darmani: “Os colegas buscam aprimorar seus conhecimentos sobre a Ligue 1, sobretudo a pronuncia. Sempre é um motivo para perguntas: ‘como se fala Guingamp’, ‘como se fala Angers’, ‘nome de tal jogador’, então é um prazer poder ajudar e informar, afinal de contas são informações sobre o meu país, a minha cultura. É um prazer ver que os outros colegas e o público se interessam, tudo isso graças ao Neymar.

Boa ou ruim? A avaliação da escolha não será feita agora

Por Junior Ribeiro
Coordenador de futebol francês na VAVEL Brasil

Ainda precisaremos de tempo para digerir a transferência mais cara da história. Uma novela que começou com um possível descontentamento, um tuíte imortalizado (mas desmoralizado naquele dia), um silêncio ensurdecedor do craque, belas exibições em amistosos previamente marcados, o pedido de permanência, a incerteza, a ida sem volta, o anúncio e o pagamento milionário.

A imprensa brasileira sai do “eixo” Espanha-Inglaterra e terá que desbravar terras francesas. Em menos de um mês, a quinta liga em importância no futebol europeu, de acordo com o senso comum, passou a ser a nossa primeira.

O principal craque do nosso futebol mudou de casa faltando menos de um ano para a Copa da Rússia. Daqui a pouco mais de um ano, estaremos celebrando sua escolha e dando como certa sua vitória nos dois prêmios individuais de maior relevância no mundo ou criticaremos sua decisão de deixar o Barcelona e partir para o PSG?