O entretenimento está matando o jornalismo esportivo?
Jornalismo esportivo não deve ser encarado apenas como cobertura futebolística. (Foto: Unisinos)

A premissa do jornalismo sempre foi informar, questionar e investigar. Este é o tripé de qualquer ementa das diversas universidades que disponibilizam o curso pelo país. Sendo algo extremamente amplo, editorias foram criadas ao longo dos anos para diversificar e especializar a informação, levando ao leitor algo mais completo e abrangente.

Hoje, a informação vai além da “geral”, nome dado ao espaço do jornal impresso, destinado a todos os assuntos de forma limitada. Editorias como economia, cultura, moda, e esporte acabaram sendo o reduto de profissionais especializados.

Ao contrário das demais editorias, o espaço destinado ao esporte sempre foi tratado com certo desleixo. A editoria sempre foi a primeira porta, de quem entra no meio jornalístico. Se nos primórdios, o jornalismo esportivo era encarado como algo fácil, no passar dos anos se criou um evento midiático em cima das principais modalidades.

O tripé acabou virando, uma muleta que privilegia somente o futebol. Não é à toa que somos conhecidos com a malfadada alcunha de “pátria de chuteiras” ou “todo brasileiro já nasce gostando de futebol”. É notório que o esporte, se comparado a outros como vôlei, basquete ou até o automobilismo, é de fácil acessibilidade. Bastam um espaço diminuto, uma bola feita de jornal ou meia, e está pronto o espetáculo.

É por causa dessa paixão que nomes como Nelson Rodrigues, considerado nosso maior cronista esportivo, são enaltecidos até hoje em trabalhos acadêmicos, livros e conversas de botequim. O futebol é importante para o jornalismo esportivo? É, porém precisamos ir além de todo o “oba oba” que foi criado em cima disso.
 

Noticiar apenas futebol, e pior, extrapolando os limites do bom senso, vem descaracterizando o jornalismo esportivo. Este novo estilo de cobertura iniciou-se em 2009, com o jornalista Tiago Leifert, apresentador no Globo Esporte SP. Com um jeito caricato, deixou de lado o jeito sisudo e formal do “padrão Globo de qualidade”, empregando um ar jovial e mais descontraído. Logo foi copiado por todas as emissoras.

Para o jornalista Tiago Leifert: “Jornalismo esportivo é uma coisa sem vida, sem emoção, sem paixão, isto está na matéria do exame de doping, em uma briga de torcida. Mas o esporte é legal porque ele diverte, ninguém assiste ao jogo do Corinthians para se informar, assiste para se divertir, para torcer, xingar o juiz. O jornalismo no Globo Esporte estava muito pesado, eu brinco que a gente estava numa rave usando smoking. Hoje eu acho que é muito mais entretenimento do que informação, ele tem um peso maior no programa”. (Leifert, 2009, Apud Rangel, 2010).

Se por um lado este formato trouxe dinamismo, também revelou um total desserviço. Matérias mostrando a vida íntima de jogadores, seus pratos preferidos e até qual estilo de roupa utilizam em eventos. O jornalismo foi deixado de lado, dando lugar a uma idolatria desproporcional.

No artigo intitulado “A exposição da intimidade do jogador de futebol Neymar no programa Esporte Espetacular”, Francisca Islandia Cardoso da Silva e Janete de Páscoa Rodrigues traçam um perfil da cobertura midiática do atacante do Barcelona.

Considerado um dos fenômenos nas quatro linhas, a vida pessoal do jogador é mais destacada do que suas qualidades técnicas. De acordo com o artigo:  “Nota-se uma tentativa de construção imediatista do ídolo”. Essa busca por um ídolo, um “salvador da pátria” não é nova. Tivemos Ayrton Senna, Gustavo Kuerten, Ronaldo Nazário.

Em se tratando de jogadores de futebol, toda essa badalação acaba criando a falsa impressão de que qualquer pessoa com um pouco de talento pode ter sucesso e dinheiro. Com isso, os estudos, planos de uma faculdade, são deixados para depois. Não é preciso de estatísticas para afirmar que o nível de escolaridade de jogadores de futebol são infinitamente inferiores à de outros esportes.

Essa baixa escolaridade reflete entre os torcedores. De acordo com pesquisa da Universidade Salgado de Oliveira Universo (Niterói/RJ), desde 2010, 113 pessoas tiveram sua morte associada a jogos de futebol. Tais assuntos, bem como escândalos envolvendo dirigentes, desvio de verbas, são tratados de forma marginal pela imprensa.

Jornalismo esportivo em Portugal

Se no Brasil o limite de informar e entreter é bem próximo, em Portugal, a imprensa acaba valorizando mais a notícia do que a vida íntima de jogadores e esportistas em geral.

Ricardo Grilo, comentarista do canal Eurosport, comenta que os jornalistas, não valorizam o lado pessoal, de jogadores. Como aqui, o futebol também acaba mascarando outros esportes com matérias de pouca relevância.

“Em Portugal a vida privada é muito respeitada. Apenas se publica o que os pilotos querem. É o mesmo caso com a política, quando se preserva filhos, casos extraconjugais e outras ações da esfera pessoal. Raramente se toca nesses assuntos. No futebol é um bocadinho mais aberto, mas mesmo assim distingue-se a vida privada da vida pública. Há uma espécie de acordo de cavalheiros, nesse sentido poucos ‘quebram’ o acordo”, diz.

Sendo um dos principais nomes do jornalismo esportivo português quando o assunto é automobilismo, Grilo crítica o espaço dado ao futebol, não com informações, mas sim com amenidades. “No futebol enchem a programação com detalhes idiotas, da uma partida ou do treino X”.

A grade das emissoras também fica engessada por conta do futebol, roubando espaço de outro esportes. “Temos três jornais diários sobre jogos [Eurosport], além de várias horas em de programas de rádio e TV sobre o tema. Como não existe assunto para preencher tantas horas sobre o tema, eles ‘inventam’ matérias. Os jornalistas não sabem nada além do futebol e nunca querem sair da sua zona de conforto”, conclui.

Falta de pesquisa e aprofundamento

Por conta da falta de conhecimento e, principalmente, pesquisa, outras modalidades acabam sofrendo. É recorrente a falta de preparo quando um profissional, habituado a cobrir apenas jogos de futebol, escrever sobre vôlei, por exemplo.

Essa falta de preparo reflete no material produzido. É comum jornalistas associarem qualquer piloto em início de carreira a um novo Ayrton Senna. O maior exemplo foi com Rubens Barrichello, que acabou tendo sua imagem totalmente deturpada e ridicularizada como Rubinho “pé de chinelo”. Essa falta de embasamento resulta em matérias pouco aprofundadas, o que leva ao entretenimento de hoje.

A pesquisa aliada a novos meios de comunicação, e muitas vezes, à falta de vontade de consumir trabalhos complexos, acabam sendo um desafio maior para o profissional de comunicação. Para a Jornalista Fernanda Gonçalves, diretora da FGCom assessoria especializada em automobilismo, o jornalismo deve sempre ser superior ao entretenimento.

“Acho que tem os dois lados. O jornalismo, como um todo, está mudando, porque as pessoas estão consumindo informação de forma diferente, online, com influenciadores nas redes sociais, blogs, etc. Vejo que estamos todos em busca de uma reinvenção, especialmente os veículos da mídia impressa. Como atrair jovens que se comunicam em 140 caracteres? Sem dúvida, hoje o entretenimento ganhou um peso enorme, mas ainda acho que o principal foco é a informação”, opina.

A falta de espaço por conta do futebol é outro empecilho para a popularização de outras modalidades, segundo Fernanda. “Realmente é um desafio, como é para os atletas olímpicos buscarem patrocínio e serem profissionais no esporte que praticam. Dizem que cada esporte, cada evento, vale o que pagam por ele. E no Brasil as pessoas “consomem” futebol praticamente o tempo todo. Então, o esporte acaba atraindo mais atenção da mídia, dos patrocinadores. Mas, se não tiverem espaço, os outros esportes também não conseguem crescer, ganhar mais público, fãs, mais patrocinadores. Os eventos estão cada vez mais comerciais. Se a emissora 'X' transmite a corrida, a “Y” nem cita que o evento existe. O espaço vai ficando reduzido e é preciso buscar outras formas de expor o evento, com ações, ativações, que não dependam apenas do espaço na imprensa”, ressalta.

O jornalismo esportivo ainda pode ser considerado jornalismo? Deve-se priorizar sempre a informação. Falta vontade tanto do profissional de buscar novos meios de vender seu peixe, deixar de lado a vida pessoal, amenidades, e fazer o seu verdadeiro papel: informar, investigar, questionar.

Referências:

SILVA, Francisca Islandia Cardoso da; RODRIGUES, Janete de Páscoa. A exposição da intimidade do jogador de futebol Neymar no programa Esporte Espetacular. 2015. 11 f. Tese (Doutorado) - Curso de Jornalismo, Ufsc, Florianópolis, 2015.

PADEIRO, Carlos Henrique. O Entretenimento na construção do Jornalismo Esportivo no Brasil. 2013. 15 f. Tese (Doutorado) - Curso de Jornalismo, Universidade de São Paulo, Rio de Janeiro, 2013.

OSELAME, Mariana Corsetti. Padrão Globo de jornalismo esportivo. Seções do Imaginário, Porto Alegre, v. 1, n. 24, p.63-71, fev. 2010.

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