O futebol incorpora um forte universo financeiro, no qual continuamente são geradas grandes receitas para os clubes. Em meio a esse processo, coexistem as relações de consumo de torcedores que compram seus produtos e adquirem seus serviços. Há, consequentemente, uma empresa por trás de um clube de futebol e, portanto, um consumidor por trás de um torcedor.
Mas também há uma diferença nessa comparação: o adepto assume uma posição diante da marca do seu time de coração que é fundamentada na paixão e na fidelidade. Segundo Higor Henrique Sampaio, torcedor do Cruzeiro, sua contribuição, ainda que pequena, é importante para as ações do clube.
“Consumo por uma paixão que a gente não consegue explicar. Comparo isso com a fé, onde apenas se pode sentir. Acho também que ajudo o clube, com certeza. Se o time fecha com um jogador famoso, o atleta ganha sobre a camisa e o clube também”, disse Higor. “Pode parecer pouco comprar uma camisa, mas de uma em 300 mil, por exemplo, pode ser que eu ajude a contratar um jogador”, pontuou.
Assim como Higor, milhões de torcedores pelo mundo inteiro carregam a impressão de seus times em camisas e acessórios, quase como exposições itinerantes da instituição. Fiéis à marca do clube, a tendência é que eles prefiram a aquisição de artigos do time para o qual torcem, configurando, assim, um dos tipos de consumidores mais fiéis, como explica o diretor de marketing do Cruzeiro, Marcone Barbosa.
“Se um torcedor vai a uma loja para comprar uma camisa do seu time, e o vendedor diz que a camisa está em falta, este torcedor jamais irá comprar a blusa de um time rival pelo fato de ela ter no estoque da loja”, afirmou. ”Esse tipo de situação dificilmente acontece com outros produtos de consumo. Se ao invés da camisa do time, esse mesmo torcedor tivesse comprando qualquer outra coisa, certamente ele procuraria por um produto substituto”, analisou Marcone.
A comercialização de itens dos clubes pode ocorrer junto à própria instituição ou por lojas que vendem os produtos oficiais, mas também de maneira paralela em vendas não licenciadas. O diretor da Raposa alertou para essa situação, em que o clube não lucra, e ainda lembrou que a legislação acaba sendo ineficaz na fiscalização de ocorrências do tipo.
“A principal forma de o torcedor contribuir financeiramente com o clube é frequentando o estádio em dias de jogos e consumindo os produtos e serviços ofertados por ele. Importante destacar que para efetivamente contribuir, esse consumo precisa ser de produtos e serviços oficiais/licenciados. Assim, o torcedor gera receita para o clube. Hoje, no Brasil, temos um potencial de consumo maior do que o resultado que efetivamente gera ao caixa dos clubes. Isso acontece em função de nossa legislação ser fraca em relação à produção de produtos piratas e falsificados”, enfatizou.
Uma outra forma de o torcedor colaborar com seu time é por meio da integração aos programas de sócio-torcedor do clube. De acordo com o diretor de marketing celeste, o programa da Raposa corresponde, hoje, a cerca de 20% do faturamento da instituição.
Extrapolando o exemplo do time de Belo Horizonte, segundo o consultor de marketing Amir Somoggi, os clubes brasileiros podem buscar alavancar seus programas de sócio-torcedor, que, de acordo com ele, representam pouco para as agremiações, tendo em vista o quanto poderiam movimentar em seus caixas financeiros.
“A diferença do sócio-torcedor do Brasil para os do mundo é que os sócios estrangeiros são realmente tratados como um Deus, representam muito no faturamento dos clubes. Eles são muito importantes, servem como base de informação para toda a gama de torcedores da sociedade, já que boa parte dos torcedores está próxima ao estádio. O sócio-torcedor [brasileiro] cresceu e é importante, indiscutivelmente, mas ainda é um valor insignificante para os clubes porque eles faturam mais de R$ 4 bilhões, e o sócio-torcedor não movimenta R$ 400 milhões”, observou Somoggi.
Ainda de acordo com dados trazidos pelo consultor de marketing, o Brasil é o segundo maior mercado consumidor de futebol no mundo, perdendo apenas para a China. Porém, conforme disse o analista, a falta de gestão mais qualificada nos clubes brasileiros abre espaços para os europeus entrarem em terras tupiniquins e venderem produtos esportivos de times que estão em evidência no Velho Continente.
“Os jovens de classe A e B não querem saber tanto mais das marcas dos clubes brasileiros. Já que os brasileiros refutam tanto o modelo de gestão dos europeus, com as redes sociais e a TV fechada, os europeus entraram aqui. Vende-se mais camisas do Barcelona no Brasil do que de Atlético e Cruzeiro”, observou Somoggi. “Então, se você não quer transladar, morra abraçado a torcedores antigos, velhos, que vão deixar de ir a estádios. A tendência é a garotada de 16 a 24 anos banque essa conta no futuro”, afirmou, taxativo.
Somoggi não poupou críticas às direções dos clubes brasileiros. “Eu estudo isso há 15 anos e trabalhei para metade dos clubes da Série A, e todos estão errados. Todos estão errados”, garantiu. ”Eu já fiz propostas de consultorias a eles, mas eles não querem mudar. Todos eles serão engolidos por essa onda chamada futebol europeu”, refletiu.
“As famílias brasileiras gastam R$ 3 trilhões por ano, segundo dado oficial. As famílias gastam com os clubes de futebol menos de R$ 1 bilhão” - Amir Sommogi
De acordo com o consultor, o valor que o torcedor paga para assistir a um jogo de futebol no Brasil é exacerbado. Ele usou como exemplo a Bundesliga, primeira divisão do futebol alemão. “O preço médio de ingresso na Bundesliga é de 25 euros. Eles faturam quatro, cinco vezes mais do que o bilhete mais barato [aqui do Brasil]”, alertou. “Não é questão de público, é preço. O serviço é de péssima qualidade, de quinta categoria”, disparou.
No aspecto do crescimento do consumo de produtos de times europeus no Brasil, em conversa com representantes das lojas Centauro da região metropolitana de Belo Horizonte/MG, a reportagem apurou que as camisas de times internacionais são mais requisitadas do que as das equipes brasileiras. O advogado especializado em Direito e Marketing Esportivo Fellipe Fraga apontou o que o conjunto de estratégias dos clubes brasileiros podem fazer para mudar esse panorama e chamar mais atenção do torcedor.
"O marketing dos clubes precisa concentrar em criar uma identidade de torcida, de parte, de valorização do torcedor junto ao seu clube" - Fellipe Fraga
”Com a globalização do futebol que ocorreu nos últimos anos, somado à carência de craques na Seleção Brasileira e ao avanço dos videogames, a geração que hoje tem entre 15 e 25 anos de idade perde referências de ídolos. Os craques do exterior se tornam, então, modelos, e, consequentemente, o público quer ter as camisas como eles. Por isso vemos nas ruas mais camisas do Barcelona que de gigantes brasileiros”, explicou Fraga.